sexta-feira, 21 de julho de 2017

Vergílio Ferreira

Meena Rawi - Vergílio Ferreira

A minha crónica no Jornal Torrejano.

Vergílio Ferreira é uma figura simbólica do quadro cultural de nosso país. Simbólica dos limites que a ditadura do professor Salazar fazia cair sobre Portugal, impondo-lhe uma grande distância cultural relativamente ao que se passava na Europa e nos Estados Unidos. Como é que Vergílio Ferreira surge como símbolo, um dos símbolos maiores, desse nosso desencontro com o tempo histórico? São as suas oposições, os seus conflitos intelectuais, que tornam isso patente. Esses conflitos são, em primeiro lugar, com o neo-realismo e, posteriormente, com o estruturalismo.

Se se atentar à biografia do escritor, ela parece, por si mesma, uma história neo-realista. A pobreza original, a ida para o seminário, a ruptura com a igreja, o curso universitário em Coimbra e, depois, o professorado no ensino liceal. E é como neo-realista que começa a sua carreira de escritor em 1939. A ruptura com o neo-realismo foi terrível e conduziu a que fosse sistematicamente ostracizado, como escritor, por uma parte da intelligentsia portuguesa afecta ao Partido Comunista, a qual tinha durante os anos sessenta, setenta e ainda em parte dos oitenta um grande poder em Portugal. Essa ruptura é feita em nome de opções estéticas e filosóficas marcadas pela influência do existencialismo filosófico e literário importado da Alemanha e de França. Na verdade, e esse era o problema cultural do país, foi a substituição de uma moda estética e cultural por outra, ambas sinais de uma dependência atávica do que vem de fora, por norma, com atraso e desligado dos contextos que animaram essas correntes.

A segunda grande polémica é com o estruturalismo, representado na figura de Eduardo Prado Coelho. O estruturalismo francês surgiu como reacção ao existencialismo e trouxe consigo a ideia da morte do homem e do autor. É contra ela que se ergue Vergílio Ferreira. O grande problema é que a Vergílio Ferreira faltava o traquejo académico, o domínio conceptual e, mais que tudo, a vivência dos grandes debates dos países democráticos. Eduardo Prado Coelho, com outra preparação teórica, era uma estrela em ascensão e tornou patente os limites do pensamento do escritor beirão. Dito isto, vale a pena voltar a ler Vergílio Ferreira? Para lá das polémicas reveladoras do nosso atraso cultural, ele é um dos principais escritores do século XX português, autor de Para Sempre, um dos grandes romances desse século. Quem nunca o leu pode começar com o popular Manhã Submersa e, depois, deitar-se à descoberta, tanto da obra romanesca como da diarística, ambas mais interessantes do que a sua obra ensaística.

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