sexta-feira, 17 de março de 2017

Liturgias das redes sociais

Pat Steir - Abstraction, Belief, Desire (1981)

Viajar numa rede social como o facebook não deixa de ser uma experiência instrutiva. Estamos perante uma espécie de voz do povo ou, melhor, dos diversos povos que habitam por aqui. As postagens políticas são mais instrutivas do que os artigos de opinião e as declarações dos próprios agentes políticos. Muitas dessas postagens - e não interessa a cor ou a inclinação do postador -, mesmo quando têm alguma elaboração, não representam mais do que a expressão do desejo, esse desejo de confirmar a crença que se possui. São postagens rituais cuja finalidade é aumentar a fé na própria crença política. E como, por norma, e não há norma sem excepção, as pessoas acabam por se aproximar dos que possuem a mesma fé, gera-se um círculo religioso em que as crenças e os desejos de uns fortalecem as crenças e os desejos dos outros, através de uma liturgia marcada pelo momento do post e pelo momento dos comentários. Deste ponto de vista, cada post é, na verdade, uma acto litúrgico, uma acção piedosa. Estes exercícios excluem sempre duas coisas, embora, os oficiantes nunca o reconheçam. Excluem a realidade, a qual é reduzida pela acção do desejo e da crença em mera abstracção, e excluem qualquer tentativa de colocar-se no lugar do outro, de tentar perceber a lógica e as razões do outro lado. O outro é sempre ou corrupto ou idiota, na verdade um não humano. E um homem que se preza não se põe a falar com coisas que não fazem, apesar da aparência, parte da nossa distinta espécie. Também aqui o ecumenismo parece ser uma utopia. Entre fés não há diálogo possível.

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